terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Cantarele fala da profissão e Palmeiras em entrevista exclusiva

O preparador de goleiros do Palmeiras, Antônio Luiz Cantarele, ou apenas Cantarele, como é conhecido, 55 anos, concedeu uma descontraída entrevista ao site oficial para abordar diversos assuntos relativos a profissão, futebol e Palmeiras. Às vésperas do jogo contra o Flamengo, Cantarele comentou sobre sua vitoriosa carreira de quase 20 anos no clube carioca (foram 549 jogos), e relembrou, para alegria dos palmeirenses, da histórica vitória do Palmeiras sobre o Flamengo no Maracanã, no Campeonato Brasileiro de 1979. Ele era o goleiro do time rubro-negro na ocasião. Campeão do mundo e da Copa Libertadores como atleta com o Flamengo, em 1981, e com a experiência de ter ingressado a comissão técnica do Japão na Copa do Mundo de 2006, Cantarele explica os segredos da profissão de preparador, fala sobre a escola de goleiros do Palmeiras e da importância que teve para Marcos em seu atual momento na equipe.

Site - Palmeiras e Flamengo jogam nesta quarta-feira no estádio do Maracanã. Sua ligação com o Flamengo é total, afinal, foram quase 20 anos de carreira no clube carioca. Quais as recordações que você tem desse período?


Cantarele - O Flamengo foi minha segunda formação, devo muita coisa que eu tenho na vida ao clube. Realizei um sonho de criança e também consegui ajudar financeiramente minha família. Foram muito mais alegrias do que tristezas. Mas minha maior felicidade foi ter atuado numa época de ouro, nas décadas de 70 e 80, quando ganhamos tudo, e ter construído amizades que eu carrego até hoje. São coisas que não tem preço. Hoje, no entanto, posso dizer que sou profissional. O que eu fiz no Flamengo jamais será esquecido. E também estou querendo plantar minha semente aqui no Palmeiras.

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Você era o goleiro do Flamengo numa partida que nenhum torcedor do Palmeiras esquece, pelo Campeonato Brasileiro de 1979, quando o Palmeiras venceu por 4x1, em pleno Maracanã. O que você se recorda desse jogo?


Cantarele - Para falar a verdade, não sou muito bom de memória, mas lembro que foi um jogo atípico. O Palmeiras fez uma partida brilhante e a partir dali arrancou para fazer uma linda campanha, na época dirigido pelo Telê Santana. Eu lembro de um dos gols que eu sofri, quando tentei dar um lençol no Jorge Mendonça e perdi a bola. Lembro também que o estádio estava completamente lotado. A torcida do Flamengo saiu decepcionada, e a do Palmeiras, que estava em grande número, mal conseguia acreditar no que estava acontecendo.
Obs. 113 mil pessoas lotaram o Maracanã, em jogo pela fase final do Brasileiro de 1979. O Flamengo tinha um timaço e jogou com Cantarele; Toninho Baiano, Manguito, Dequinha e Júnior; Carpegiani, Adílio (Beijoca) e Zico; Reinaldo (Carlos Henrique), Cláudio Adão e Tita. O técnico era Cláudio Coutinho. Já o Palmeiras, dirigido por Telê Santana, foi a campo com Gilmar; Rosemiro, Beto Fuscão, Polozzi e Pedrinho; Pires, Mococa e Jorge Mendonça; Jorginho (Carlos Alberto Seixas), César (Zé Mário) e Baroninho. A partida teve tanta repercussão que após a partida, o técnico Telê Santana foi convidado para dirigir a seleção brasileira.

Site - Passava pela sua cabeça um dia se tornar preparador de goleiros?


Cantarele - Nunca passou. Na verdade, me tornei preparador porque meu contrato com o Flamengo terminou três meses antes do previsto, em 1989. O Jorge Helau, diretor da época, me ofereceu o cargo de preparador de goleiros, e ao mesmo tempo eu comecei a trabalhar também com o time infantil. Acumulei funções e, quando eu vi, já estava exercendo a profissão. Mas posso dizer que me preparei. Com o tempo, fiz cursos, inclusive de treinador. Fiquei um tempo fora do Brasil e, quando retornei, precisei me atualizar. Foi positivo e eu posso garantir que eu gosto do que eu faço.

Site - É mais fácil ensinar como preparador, ou aprender como um goleiro?


Cantarele - Isso depende muito do profissional que ensina e do goleiro que é ensinado. Como preparador de goleiros, eu sempre tive facilidade para passar minha metodologia. No meu trabalho, costumo usar bastante o diálogo. Existem goleiros que não aceitam opiniões. Às vezes, o que eu acho necessário para mim não é o pensamento do profissional que está com você. Mas todos os goleiros que passaram por mim sempre entenderam muito bem aquilo o que eu queria deles.

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Para ser preparador de goleiros, é necessário ter sido um grande goleiro?


Cantarele - Não acho isso. Acho que é necessário, sim, ter sido um ex-goleiro. Não importa se foi ótimo ou regular. A vivência do profissional nessa área conta muito. São experiências de vida e exemplos práticos que podemos passar com segurança.

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A profissão de preparador de goleiros é extremamente necessária para o futebol? O que você pensa a respeito disso?


Cantarele - Acho que se não existisse o preparador de goleiros, o futebol não deixaria de existir. Mas acho uma profissão muito importante. Nos últimos anos, evoluiu bastante e só trouxe benefícios para a posição. Nossa presença acrescenta sempre alguma coisa, até porque as últimas mudanças nas regras da Fifa sempre tiveram os goleiros como principais prejudicados. Nós podemos ajudar.

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Um preparador de goleiros consegue transformar um goleiro 'ruim' em bom ou ótimo?


Cantarele - É num caso desse tipo que o preparador de goleiros é importante. Dá para conseguir tranformar um goleiro ruim em bom, sim. Nós podemos ensinar algo que eles ainda não sabem quando jovens. Mas essa coisa de bom ou ruim é relativo. Depende do momento, do time que joga. Já vi goleiros 'mais ou menos' em ótimos times se darem muito bem. E já vi goleiros excepcionais que, por obra do destino, atuarem em times fracos. A reputação deles foi para o buraco. Tem muito dessas coisas no futebol.

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Considera a profissão de goleiro a mais difícil num time de futebol?


Cantarele - Com certeza. O goleiro jamais pode falhar. No Brasil, a profissão de goleiro é muito complicada, mas acho que as coisas estão melhorando. Os críticos e principalmente os estrangeiros tem dado mais valor aos nossos goleiros. Mas a verdade é que o futebol foi feito para os atacantes. Quem faz gol é quem se consagra. Isso nunca vai mudar.

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Agora falando do Marcos. A que você atribui a boa fase do goleiro palmeirense?


Cantarele - De todos os goleiros que eu já trabalhei, posso dizer que o Marcos é realmente diferenciado. Ele é diferente em tudo, é um dom que ele tem. O Marcos é um goleiro que já nasceu com qualidades impressionantes, e carrega isso com ele até hoje. Sempre superou as dificuldades, que não foram poucas, com confiança. Claro, não vou tirar meu mérito nesse momento atual dele. Tem uma pontinha do meu trabalho nisso, mas é claro que a qualidade dele é o fator fundamental para essa fase brilhante.

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Dá para considerar ele um dos melhores goleiros do Brasil na atualidade? Acha que ele merece estar na próxima Copa do Mundo?


Cantarele - Não tenho dúvida disso. O Marcos tem totais condições de ser o número 1 do Brasil, sem tirar o mérito dos outros. A idade é o que menos conta nessa hora. Um goleiro, se bem preparado, pode jogar até 38, 40 anos. O Marcos tem experiência, um currículo vitorioso, já provou seu potencial desde o início de 2008...Não precisa provar mais nada a ninguém e, seja como titular, seja para compor o grupo, a presença dele seria importante em todos os aspectos na Copa do Mundo de 2010.

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Você chegou no início do ano para assumir a tradicional escola de goleiros do Palmeiras. O que esperar da futura geração do clube?


Cantarele - Posso garantir que o Palmeiras está muito bem servido na posição. O Bruno e o Deola são muito semelhantes ao Marcos como pessoas, totalmente comprometidos com o trabalho e conscientes que são o futuro do clube. Não se acomodam e estão sempre dispostos a evoluir. E também temos os mais jovens, casos do Raphael Alemão, Rafael Dida e o Fábio. Eles já estão treinando com o time profissional para pegarem vivência e ainda mais experiência. Também gostaria de citar o Fernando [Miranda, auxiliar], que há um bom tempo vem desempenhando um papel importante ao lado dos nossos goleiros.

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Desde sua chegada ao Palmeiras, o que você aprendeu ao lado de Valdir Joaquim de Moraes, mestre da profissão de preparador de goleiros?


Cantarele - O Valdir foi o primeiro preparador de goleiros do futebol brasileiro. E após 40 anos, ele continua ensinando cada um de nós. Ele tem uma experiência impressionante, sabe a hora certa de falar e está sempre conversando com todos do elenco. O Valdir é de fala mansa, mas suas palavras são sábias. A importância dele para o Palmeiras é enorme.

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Você deve a quem tudo o que conquistou na carreira até hoje?


Cantarele - Posso falar com propriedade que minha família, em especial minha esposa e minha filha, foram o alicerce de tudo o que aconteceu comigo. Nos momentos bons, é fácil estar do lado. Mas elas sempre estiveram comigo nos momentos de dificuldade, de cobranças. Quando fiquei um bom tempo no Japão e nos Emirados Árabes Unidos, elas estavam lá, sem reclamar. Tudo o que eu tenho na vida, também devo a elas.


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